Em três cidades cearenses, servidores municipais continuaram a receber a remuneração mesmo depois de terem falecido. A descoberta foi feita por inspeção realizada pelo Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE) nas folhas de pagamento dos municípios cearenses de março de 2024. O procedimento foi feito na primeira quinzena de junho do ano passado.
O maior número de ocorrências é de Aracati. Segundo o relatório apresentado pela equipe técnica do Tribunal, 11 servidores mortos continuavam a receber salário em março de 2024 — um deles tem 2009 como ano de óbito, detalha o documento.
O número, no entanto, não é reconhecido pelo Município, que afirma que um dos servidores está vivo, enquanto os demais têm as contas de pensão ou aposentadoria zeradas. "Ressaltamos que não houve pagamentos indevidos a falecidos", ressaltou a Prefeitura em nota ao PontoPoder (confira nota completa no final).
Fortaleza e Maranguape também tiveram casos identificados pelo TCE Ceará. Na capital cearense, dois servidores municipais continuaram a receber remuneração até julho de 2024 — um deles faleceu em 2021 e o outro em 2022. Já em Maranguape, três funcionários falecidos em 2022 continuaram a ser remunerados até maio de 2024.
Nos dois casos, as prefeituras admitiram a ocorrência e excluíram os servidores da folha de pagamento após a notificação do Tribunal. Em contato com o Diário do Nordeste, a Prefeitura de Maranguape também informou que pediu informações aos bancos para conseguir iniciar o processo de ressarcimentos dos recursos aos cofres públicos.
A inspeção realizada pelo TCE Ceará fez o cruzamento das informações do Sistema de Informações Municipais (SIM) — onde constam as informações sobre pagamento de servidores e pensionistas das prefeituras — com a base de dados da Receita Federal e o Sistema Informatizado de Óbitos da Dataprev (Sisobi) — no qual constam as informações relativas às datas de óbitos.
Aracati
Em Aracati, o relatório preliminar do TCE Ceará havia identificado 14 servidores aposentados ou pensionistas que ainda constavam na folha de pagamento de março de 2024 apesar de terem falecido.
Contudo, três servidores foram retirados da lista do Tribunal após a gestão comprovar que eles não constavam na folha de pagamento do Município. Segundo a informação enviada pela Prefeitura, as matrículas pertenciam a outros servidores — o que foi confirmado pelo TCE.
Restaram, portanto, 11 servidores aposentados ou pensionistas identificados pelo Tribunal como já falecidos, mas que tiveram continuidade na remuneração.
Em março de 2024, a remuneração destes servidores era a seguinte:
Em apenas um mês, foram pagos R$ 25.882 de forma indevida pela Prefeitura. Contudo, o pagamento irregular vinha ocorrendo anteriormente, já que o óbito dos servidores, segundo o TCE, ocorreu anos antes. O documento mostra que um dos servidores faleceu em 2009; outros dois morreram em 2020; dois morreram em 2021; três servidores faleceram em 2022; e os três últimos faleceram em 2023.
Em manifestação enviada ao Tribunal e citada no relatório
final da inspeção, a Prefeitura de Aracati não reconhece o pagamento a
servidores falecidos.
A gestão alegou que um dos servidores identificado como falecido pelo TCE está,
na realidade, vivo. "O mesmo está vivo e se encontra prestando serviços de
auxiliar de serviços gerais junto a Secretaria de Educação", disse a
gestão em manifestação citada no relatório final do Tribunal. Foi anexado, como
prova de vida, as folhas de frequência do servidor.
Ainda assim, a prova não foi aceita pelo TCE: "o documento apresentado não é suficiente para fazer prova de vida e a prestação do serviço pelo indicado, uma vez que a rubrica pode ser de terceiro". Por isso, o órgão recomenda que a Prefeitura faça uma prova de vida com o servidor e comprove a medida à Corte.
No caso dos outros dez servidores, a gestão alegou que, "apesar de possuírem cadastro no município, estão com as contas de pensão ou aposentadoria zeradas". "De forma que não se verifica o pagamento de nenhum benefício aos mesmos, seja salário ou pensão", argumenta.
Mais uma vez, a unidade técnica do Tribunal não reconheceu o argumento. "O documento apresentado não se mostra hábil a comprovar que não estejam sendo realizados pagamentos aos aposentados e pensionistas indicados, uma vez que o próprio município informa no SIM (Sistema de Informações Municipais) que esses fazem parte de sua folha de pagamento mensal", diz o relatório.
Por isso, é recomendado ao Município a apuração do dano recorrente de eventual pagamento indevido e, se comprovado que não houve recebimento de recurso público pelos servidores identificados, "proceda com a correção das informações contidas no SIM".
No final de novembro, os conselheiros da Corte decidiram, por unanimidade, fazer as recomendações sugeridas pelo relatório final à Prefeitura de Aracati. O prazo para cumprimento era de 30 dias. O acórdão determinou que as secretarias municipais de Aracati, nas quais os servidores falecidos eram lotados, adotem medidas para cessar os pagamentos indevidos dos 10 servidores e convoquem o funcionário que estaria vivo, segundo alegações da própria gestão, para fazer "prova de vida perante a unidade gestora".
O Diário do Nordeste acionou a Prefeitura de Aracati para saber se as recomendações feitas pelo Tribunal foram cumpridas e se os servidores falecidos foram retirados da folha de pagamento. Por meio da assessoria de imprensa, a Prefeitura de Aracati garantiu que "não houve pagamentos indevidos a falecidos".
Segundo a nota, aposentados e pensionistas "que não compareceram às provas de vida realizadas pelo Fundo de Seguridade tiveram suas informações bancárias temporariamente excluídas do sistema para impedir o pagamento de benefícios de forma indevida".
"No entanto, esses beneficiários permaneceram na folha de pagamento, aguardando a regularização de suas situações, de modo a garantir que direitos legítimos não fossem comprometidos, já que, em ocasiões anteriores, pessoas vivas deixaram de realizar a prova de vida por motivos diversos, mas posteriormente buscaram reaver seus benefícios".
Prefeitura de Aracati
Quanto às recomendações do TCE, a Prefeitura informou que ajustou procedimentos para que os beneficiários que não realizarem a prova de vida "sejam automaticamente excluídos da folha de pagamento".
Fortaleza
O TCE Ceará identificou, a princípio, cinco servidores que teriam continuado a receber pagamento após a data da morte. Contudo, após apresentação da gestão comprovando que dois deles haviam sido retirados da folha de pagamento anteriormente e que um continua vivo, o número de ocorrências caiu.
Ainda no ano passado, quando era chefiada pelo ex-prefeito José Sarto, a Prefeitura de Fortaleza confirmou que dois servidores falecidos em 2021 e 2022, respectivamente, continuaram a receber remuneração. Ambos foram excluídos da folha de pagamento em julho de 2024.
A remuneração dos dois servidores em março de 2024 era de:
A soma dos valores pagos de forma indevida mensalmente ficou pouco acima de R$ 3 mil. O servidor 1 continuou a receber por, pelo menos, 30 meses. Já o servidor 2 continuou a receber por 29 meses.
No relatório final, a unidade técnica do TCE Ceará determinou que a Prefeitura de Fortaleza apresentasse plano de ação detalhando quais medidas seriam adotadas para restituir os valores pagos de forma indevida e também para impedir novas ocorrências de pagamentos indevidos a servidores e pensionistas falecidos.
Os conselheiros do Tribunal aprovaram, de forma unânime, as recomendações, que foram enviadas ao Executivo municipal no final de outubro para serem cumpridas em até 30 dias.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a atual gestão da Prefeitura de Fortaleza — não mais sob comando do ex-prefeito José Sarto e sim de Evandro Leitão (PT) — para confirmar se há informação de que providências foram adotadas pela gestão anterior. Quando houver retorno, a reportagem será atualizada.
Maranguape
Em Maranguape, o Tribunal verificou que três servidores municipais que morreram em 2022 continuavam a receber remuneração em 2024. Em manifestação enviada ao TCE, a Prefeitura confirmou a informação e disse que eles constavam na folha de pagamento até maio de 2024, mas haviam sido retirados. No processo, no entanto, não informa o mês de morte de nenhum dos funcionários, todos aposentados pela Prefeitura.
Supondo que o falecimento tenha ocorrido em dezembro de 2022, ainda seriam 17 meses de remuneração a servidores falecidos — os doze meses de 2023 e mais cinco em 2024. Segundo pesquisa no Portal da Transparência da Prefeitura de Maranguape, o período abarcou reajuste e pagamento de décimo terceiro salário. O montante pago a dois dos três servidores falecidos nesse período foi de:
No caso do servidor 3, não foi possível encontrá-lo nos dados do Portal da Transparência. Segundo o processo do TCE Ceará, a remuneração mensal, em março de 2024, era de R$ 2 mil.
Em manifestação feita ao Tribunal, a Prefeitura de Maranguape disse que, quando notificada, "procedeu a respectiva exclusão dos servidores ali elencados".
A Prefeitura ainda informou que o Núcleo de Recursos Humanos "procede a exclusão em caso de óbito, mediante comunicação oficial do óbito, comumente notificado por familiares, vez que ainda não dispõe de um sistema de cruzamento de informações automatizado".
A gestão informou ainda que foi editada uma portaria determinando "a convocação de todos os servidores para que seja feita prova de vida".
Com a exclusão dos nomes confirmada pela Prefeitura, a unidade técnica do TCE recomendou a elaboração de plano detalhando quais medidas serão tomadas para restituir os valores pagos indevidamente e para evitar ocorrências semelhantes no futuro. Em decisão publicada no início de novembro, os conselheiros do Tribunal, por unanimidade, encaminharam as recomendações para a Prefeitura.
O Diário do Nordeste indagou a Prefeitura de Maranguape se as recomendações foram aplicadas. A Prefeitura informou que os casos apontados pelo TCE Ceará foram "prontamente sanados" e que plano de ação solicitado pelo Tribunal está "em pleno andamento" (confira nota completa no final).
Uma das medidas adotadas, foi a solicitação de informações aos bancos "para saber se o dinheiro continua em conta". O objetivo é que os recursos sejam devolvidos aos cofres públicos. Caso tenha sido retirados, "será solicitado uma abertura de procedimento para saber quem se apropriou indevidamente dessas quantias, para fins de ajuizamento de ação judicial para ressarcimento".
Confira as notas completas
Prefeitura de Aracati
A Prefeitura de Aracati informa que, em relação às pendências apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), os aposentados e pensionistas que não compareceram às provas de vida realizadas pelo Fundo de Seguridade tiveram suas informações bancárias temporariamente excluídas do sistema para impedir o pagamento de benefícios de forma indevida.
No entanto, esses beneficiários permaneceram na folha de pagamento, aguardando a regularização de suas situações, de modo a garantir que direitos legítimos não fossem comprometidos, já que, em ocasiões anteriores, pessoas vivas deixaram de realizar a prova de vida por motivos diversos, mas posteriormente buscaram reaver seus benefícios.
A exclusão definitiva da folha de pagamento ocorre mediante comprovação de óbito, com apresentação da certidão correspondente pela família.
Em resposta às recomendações do TCE, a Prefeitura ajustou os procedimentos para que beneficiários que não realizarem a prova de vida sejam automaticamente excluídos da folha de pagamento, evitando questionamentos futuros.
Ressaltamos que não houve pagamentos indevidos a falecidos e que a gestão já está cumprindo o prazo de 30 dias concedido pelo TCE para encaminhar justificativas e documentações complementares.
Prefeitura de Maranguape
A Prefeitura de Maranguape tem a esclarecer que:
1 - Os casos apontados pela inspecção do Tribunal de Contas do Estado - Ceará já foram prontamente sanados, com a retirada de folha de pagamento dos citados, e com a adoção do Plano de Ação solicitado pelo TCE, estando em pleno andamento;
2- Tais casos referem-se a servidores aposentados que se encontravam em folha por conta de suas aposentadorias terem sido concedidas antes da criação do Instituto de Previdência própria do Município, conforme foi informado pelos gestores ao TCE;
3 - Apesar de terem vindo a óbitos, os nomes dos servidores permaneciam nas folhas por conta da Prefeitura não ter sido informada do ocorrido - única forma de obtenção de tal informação, já que não é dada ao executivo municipal a possibilidade de cruzamento de informações com outras instituições, como receita federal ou cartórios de registro de óbitos, por exemplo;
4 - Para garantir que não haja prejuízo ao Erário, a Prefeitura solicitou aos bancos informações para saber se o dinheiro ainda continua em conta (para que seja devolvido aos cofres públicos), ou se foi retirado - neste caso será solicitado uma abertura de procedimento para saber quem se apropriou indevidamente dessas quantias, para fins de ajuizamento de ação judicial para ressarcimento.